[Texto] A Importância da Pregação Sadia

Michael Horton

Nas  suas advertências  às igrejas  do  Apocalipse,  Jesus exerceu seu julgamento  por  esses critérios.1  A igreja  de  Éfeso  foi  aprovada por  sua perseverança na Palavra e por sua rejeição aos falsos apóstolos e mestres (Ap2.2), mas a centralidade de Cristo estava se definhando e foi instruída a voltar ao seu primeiro amor.

Da  mesma forma, Esmirna foi  recomendada por se colocar  de pé contra o legalismo dos Judaizantes, uma igreja que era, na verdade, “sinagoga de Satanás” (v. 9).

Jesus encorajou Pérgamo por permanecer fiel ao ensinamento  sadio, a despeito das dificuldades. “Tenho, todavia, contra ti algumas cousas” ele disse, “pois  que tens  aí  os  que sustentam a  doutrina de  Balaão…  Outrossim, também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaítas. Portanto, arrepende-te; e, se não, venho a ti sem demora e contra eles pelejarei com a espada da minha boca” (vs. 14-16).

A igreja em Tiatira foi denunciada: “Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetisa”, denotando um falso mestre que fez com que muitos se desviassem (v. 20). Aqueles que “não têm essa doutrina”, ele disse, seriam poupados; “tão-somente conservai o que tendes, até que eu venha” (vs. 24,25).

Sardes era uma igreja  que estava morrendo, mas poderia viver novamente se recuperasse a Palavra: “Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, guarda-o e arrepende-te” (3.3).

Além disso, Jesus viu o modo como a igreja  em Filadélfia  havia se oposto à “sinagoga de Satanás”, assim como Esmirna havia feito (v.9).

Em  todos  estes  casos,  Jesus concluiu  suas  admoestações com  a declaração:  “Quem  tem  ouvidos, ouça o  que o  Espírito  diz  às igrejas”.

Somente a Palavra  pode trazer morte e vida.  Como Calvino nos lembra: “Deus cria e multiplica sua Igreja somente através da sua palavra. Somente pela pregação da graça de Deus a Igreja é guardada de perecer”.²

A Escritura é chamada de “fôlego de Deus”, e suficiente para tudo, necessária para a salvação e para a vida cristã. Conseqüentemente,  a igreja é “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3.15). Como vimos na oração sacerdotal de nosso Senhor, é só através da Palavra que somos feitos participantes de Deus em Cristo: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade”.

O ministério da Palavra é tão essencial que em Atos 6 lemos sobre os apóstolos  estabelecendo  o  diaconato  para  conduzir  os  detalhes administrativos da igreja, para que os anciãos e ministros pudessem ser dados à Palavra e à oração:  “Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas… escolhei… homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra” (At 6.2-4). Os sete diáconos  foram escolhidos,  os  pobres foram assistidos,  e “crescia  a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também  muitíssimos  sacerdotes obedeciam  à  fé”  (v.7). Hoje,  talvez, o equivalente a “servir às mesas” pode ter outras funções administrativas. Tem sido  profundamente lamentado  o  fato  de os  ministros  terem-se tornado “administradores” em vez de pastores, Diretores Corporativos ao invés de ministros  da palavra,  sacramento e disciplina.  Precisamos  reler  passagens como estas da igreja apostólica e lembrar qual é a verdadeira missão da igreja.

Paulo aconselhou Timóteo a dar sua atenção total a esse ministério da Palavra: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15), e chama a Palavra de espada do Espírito (Ef 6.17). Em Romanos 10.13-17, Paulo revela a lógica desse dever sagrado: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?… E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo”.

A Palavra  de  Deus  pode  ser dividida  em  duas partes:  a  Lei  e  o Evangelho.  Tudo, desde o Gênesis até o  Apocalipse,  que exorta, adverte, comanda, ou de outra maneira impõe  obrigações éticas, é “Lei”; e não há misericórdia  àqueles  que falham.  Conseqüentemente, a Lei demanda uma submissão perfeita e fixa uma maldição àqueles que falham nisso. A Lei é inimiga de nossa natureza pecaminosa não porque seja má, mas porque somos pecadores e hostis à justiça (Rm 7.7).

Mesmo como crentes, depois de justificados e tendo recebido a nova vida, nosso amor florescente  pela Lei é sempre desafiado pela resistência de nossa natureza pecaminosa. Mas, nesse exercício, a Lei é vital, “para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que”, Paulo escreveu: “ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19,20).

Felizmente, existe outra “palavra” na Escritura: o Evangelho; e Paulo segue sua descrição da lei por uma descrição dessa outra palavra: “Mas agora, sem lei,  se manifestou  a  justiça  de  Deus  testemunhada pela  lei  e  pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem” (vs. 21,22). A Lei mata, o Espírito faz a vida aparecer através da pregação do Evangelho. “O Evangelho é puramente boas novas”, Herman Bavinck escreveu:  “não  uma demanda, mas promessa;  não  uma tarefa, mas uma dádiva”.3

A não ser que preguemos claramente a Lei e o Evangelho, iremos falhar no ministério da Palavra, uma vez que devemos ser levados ao desespero total quanto à nossa própria justiça antes de podermos receber a justiça de Jesus Cristo. À parte do conhecimento de nossa corrupção e nudez absoluta, não buscaremos a vestimenta que Deus proveu. Quem precisa de perdão a não ser transgressores? Essa é a razão pela qual Paulo declarou tão entusiasticamente, a despeito  da impopularidade  de tudo isso: “Pois  não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé”(Rm 1.16,17).

O que acontece quando a Palavra ou seu ensino claro estão ausentes e a pregação está,  de  algum  modo,  obscurecida?  Através  de  Amós,  Deus profetizou uma “fome da Palavra”,  que precede a destruição  de Israel  no

capítulo 9. Sempre que existe fome da Palavra, a igreja perde seu vigor e se torna como aqueles na visão de Ezequiel — um vale de ossos secos. Não é por haver muita atenção à sã doutrina, ao ensino, à proclamação e aplicação da Palavra de Deus, que existe secura e falta de entusiasmo  pelas coisas do Senhor.

“Vida, não  doutrina”, dificilmente  seria um  clichê  aprovado pelos apóstolos. Quando a Palavra é fielmente pregada, nossa miséria e a graça de Cristo se tornam tão claramente  visíveis aos olhos da fé, através do Espírito Santo, que a vida não  pode  existir  sem essa atividade.  Não  são fábulas engenhosamente inventadas  que têm poder salvador, disse  Pedro, mas as declarações de testemunhas oculares sobre a obra salvadora de Cristo (2Pe1.16). Diferente  dos “superapóstolos”,  disse Paulo, “não nos pregamos a nós mesmos, mas  a  Cristo  Jesus como  Senhor”  (2Co  4.5). Mesmo nossos testemunhos quanto às mudanças que Cristo fez em nossas vidas não são a pregação do Evangelho, pois é a vida de Cristo e não a nossa que é “boa nova” para os pecadores.

Sempre existe o perigo de nos desviarmos da suficiência da Palavra de Deus,  especialmente  a  suficiência  da  Palavra  pregada. Parece  que  nos esquecemos de que quando o ministro sobe ao púlpito, ele está nos falando no lugar de Cristo, como embaixador real de Cristo, e em sua voz Soberana. O pregador não está lá para disseminar suas conjecturas nas necessidades e assuntos importantes do dia, nem mesmo para aplicar a Bíblia especialmente à vida diária (embora a aplicação seja parte de sua tarefa).

Mesmo se passagens da Bíblia forem usadas no sermão, isso não é a proclamação salvadora da palavra de Deus a não ser que “coloque em cartaz” (i.e., apresente publicamente, como sobre um quadro de avisos) a Cristo (Gl3.1). Os  fariseus anularam  a Palavra  de Deus por causa de seus próprios mandamentos (Mt 15.6), mas a verdadeira  igreja ouve somente à voz de seu pastor (Jo 10.27).

Observações:

¹  As marcas da verdadeira igreja (doutrina, disciplina e sacramentos), abordadas na seção anterior do livro. (Nota do Monergismo)

² João Calvino, Psalms (Grand Rapids: Baker, 1982), vol. 1, p. 388.

³ Herman Bavinck, The Doctrine ofGod, trad. William Hendriksen (Grand Rapids: Baker, 1951), p. 56.

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Fonte:   Creio:    Redescobrindo   o    Alicerce   Espiritual, Michael Horton, Cultura Cristã, p. 187-190.

Extraído de: www.monergismo.com