O lugar dos mortos

Uma pergunta que sempre fascinou os cristãos ao longo dos séculos é: Para aonde vai a alma da pessoa depois que ela morre? Ao longo da História várias possibilidades têm sido levantadas pelos cristãos. Classicamente, o Cristianismo tem defendido que, após a morte, enquanto o corpo vai para a sepultura, o espírito vai para o chamado “Estado Intermediário”. Esse é o local onde estão, por um lado os que foram salvos por Cristo – no caso o céu – , e, por outro, os que foram condenados pelos seus pecados – no caso o inferno. Outras interpretações têm sido igualmente sustentadas desde os tempos mais antigos. Alguns, como os Testemunhas de Jeová e os Adventistas, defendem o chamado “sono da alma”, ou seja, que todas as almas, quer de ímpios quer de crentes ficam dormindo até o dia da ressurreição, quando finalmente acordarão juntamente com o corpo e enfrentarão o Juízo Final. Outros ainda, como os católicos, sustentam que as almas ficam num local de “purgação” de seus pecados, tendo a possibilidade, depois que tiverem feito satisfação pelos seus pecados, de entrar no céu. Os judeus e a igreja medieval sustentavam que a alma depois da morte ficava num estado de semiconsciência, nem feliz, nem infeliz, esperando a ressurreição do corpo. E os espíritas dizem que é possível até mesmo se comunicar com as almas dos mortos que estão desencarnadas e esperando uma reencarnação, Todas essas crenças demonstram que a vida após a morte é algo que todos levam a sério. Porém, o que nos importa aqui é entender o ensino bíblico sobre o lugar para aonde vão as almas dos mortos.

O sheol e o hades
O Antigo Testamento fala relativamente pouco acerca do estado das almas depois da morte. Encontramos em alguns livros do Antigo Testamento a indicação de que as almas vão para um lugar chamado sheol. Sheol mais comumente significa “sepultura”. E essa palavra que Jacó disse ser o seu destino quando morresse: “Se lhe sucede algum desastre no caminho por onde fordes, fareis descer minhas cãs com tristeza à sepultura (sheol)” (Gn 42.38). No entendimento do Antigo Testamento, todos os homens acabam no sheol. O salmista declara: “Que homem há, que viva e não veja a morte? Ou que livre a sua alma das garras do sepulcro (sheol)?” (SI 89.48; Ver 88.3; Os 13.14; Nm 16.33; SI 49.14; SI 9.17).
Se o sheol é o destino de todos os homens, então, ele não deve, nesse sentido, ter significado positivo ou negativo. A interpretação mais plausível é que significa apenas sepultura, o lugar do esquecimento, a morte no sentido genérico. Assim, o sheolé absolutamente igual para todos, como o Eclesiastes deixa bem claro: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, fazeo conforme as tuas forças, porque no além (sheol), para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (Ec 9.10). Todos os homens, bons ou maus, vão para o sheol, pois ele significa apenas o estado de morte, não necessariamente de recompensa ou de punição.
Por outro lado, o Antigo Testamento diz que a morte do justo é mais digna que a morte do ímpio. Balaão, quando chamado para amaldiçoar Israel, demonstrou o seu desejo: “Que eu morra a morte dos justos, e o meu fim seja como o dele” (Nm 23.10). Se o profeta infiel Balaão desejava morrer a morte do justo é porque ela deve ser diferente da morte do perverso, e, de algum modo, melhor (ver SI 16.11; 73.24). Porém, o que se percebe ao ler o Antigo Testamento, é que não havia uma doutrina completa sobre o Estado Intermediário. Isso não representa problema algum, pois entendemos que a revelação é progressiva, ou seja, Deus não revelou tudo de si de uma única vez. Porém, o simples fato de haver esperança para o justo depois da morte é uma evidência concreta de que, de alguma maneira, os justos estariam melhor no sheol do que os injustos.
Se o Antigo Testamento usa a palavra sheol para definir o lugar dos mortos, o Novo Testamento usa a palavra hades. Na mitologia grega, o hades era composto de duas partes: a parte mais profunda era o local de punição, algumas vezes chamado de Tártaro, e o lugar de bênçãos era chamado de Campos Elisios. E difícil encontrar essa idéia no Novo Testamento, pois aí Hades também significa lugar de punição. Assim, o rico da parábola que Jesus contou foi para o hades (Lc 16.23). E Jesus disse que Cafarnaum seria precipitada ao hades por ter recusado sua pregação (Mt 11.23). Igualmente, Jesus disse aos fariseus que eles dificilmente escapariam da condenação do hades (Mt 23.33). Todas essas passagens sugerem que, para o Novo Testamento, o hades é o lugar de punição, o inferno.

(Leandro Lima, Razão da esperança: Sheol e Hades)