Os dois livros de Deus

A Doutrina Reformada acerca da Revelação de Deus nos ensina que Deus se revelou à humanidade de duas formas: natural e especial. A Confissão de Fé de Westminster (CFW) professa a doutrina da revelação natural, afirmando que a natureza consiste em uma pregação acerca da existência de Deus, e que “a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis” (CFW 1.1). No entanto, a revelação natural, por si só, não é suficiente “para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade, necessário à salvação;” (CFW 1.1).

O Salmo 19 é um bom exemplo bíblico sobre esses dois modos de revelação, pois o salmista diz que “os céus proclamam a glória de Deus; o firmamento demonstra a habilidade de suas mãos. Dia após dia, eles continuam a falar; noite após noite, eles o tornam conhecido. Não há som nem palavras, nunca se ouve o que eles dizem. Sua mensagem, porém, chegou a toda a terra, e suas palavras, aos confins do mundo.”

Você já parou pra pensar no por que montanhas e vales, mares, o sol, a lua e as estrelas nos comovem tanto quanto as grandes obras de arte? A resposta é porque, de fato, são obras de arte. E o salmista diz que essa revelação chega até nós sem discurso, nem palavra. Ou seja, é uma comunicação não verbal de que existe um artista e que o mundo não é o resultado acidental de moléculas, mas uma obra cheia de significados.

Mas, se não há som nem palavras, e nunca se ouve o que eles dizem, quer dizer que essa revelação não é acessível? Não, porque o salmista informa que a sua mensagem chegou em toda a terra. A revelação existe, porém ela é sutil. A informação está disponível, mas é necessário um ângulo correto, um ajuste preciso em nossa percepção, para que possamos entender a realidade da revelação. Isso significa também que todas as pessoas sabem, em algum nível, sobre Deus, a verdade, o sentido, a sabedoria e a beleza, mesmo que suprimam esse conhecimento devido ao pecado (Rm 1.18-21). Precisamos de algo mais.

E esse ajuste, é justamente a revelação especial de Deus, as Sagradas Escrituras. O reformador João Calvino ensinou que a lente da revelação da Palavra de Deus nos ajuda a focalizar bem a verdade que se encontra no mundo de Deus para enxergarmos de forma correta a realidade. Isso implica que a boa comunicação não verbal pode ser mal interpretada caso não tenhamos as lentes corretas.

É por isso que o salmista continua o salmo dizendo que a lei do Senhor é perfeita e restaura a alma, ou seja, aqui encontramos o aspecto redentivo. A natureza nos fala da realidade e do poder de Deus, mas não de sua graça salvadora (Sl 19.1-7). Só a Escritura é capaz de iluminar o espiritualmente cego e restaurar a sua alma.

Existe algo peculiar nesse salmo, pois a palavra hebraica para “alma” se refere a psique ou o ego de alguém. Isso significa que a Bíblia tem o poder de mostrar e restaurar a nossa verdadeira identidade. No entanto, pra que isso aconteça, nós precisamos aceitar que os decretos do Senhor são dignos de confiança (v.7); que os preceitos do Senhor são justos (v.8) e que as instruções do Senhor são verdadeiras e todas elas são corretas (v.9).

Permita que a Palavra de Deus sonde o seu coração (v. 11-14) e com a ajuda de Jesus Cristo, o Verbo, a Palavra que se fez carne, através do seu Espírito, você possa enxergar a revelação de Deus em seus dois livros: a natureza criada e Palavra revelada.